quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

sábado, 27 de novembro de 2010

Habitar

Habitar-me seria abraçar as minhas lágrimas
e acompanhar-me o soluçar
Adormecer-me os cabelos,
descansar-me a ver o Mar

domingo, 21 de novembro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As pontes ...

Por estranho que pareça só hoje vi pela primeira vez o filme, talvez agora não me pareça tão estranho como se o tivesse visto quando saiu. A história é linda de morrer, literalmente, o amor e a morte.

sábado, 18 de setembro de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Identidade Pessoal

Sempre foi um conceito que me intrigou e fascinou, filosoficamente e existencialmente. Aqui vão algumas posições sobre a questão:


O conceito de identidade pessoal
Ao ser julgado por homicídio, o leitor decide defender-se a si próprio. Afirma não ser o assassino; o assassino e o leitor são pessoas diferentes. O juiz pede-lhe que apresente provas. Tem fotografias de um intruso com bigode? Não é verdade que as suas impressões digitais correspondem às que foram encontradas na arma do crime? Pode provar que o assassino é esquerdino? "Não", responde o leitor. A sua defesa será muito diferente. Eis as suas alegações finais:

Admito que o assassino é dextro, como eu, que tem as mesmas impressões digitais que as minhas e que não usa barba nem bigode, como eu. Até se parece exactamente comigo nas fotografias da câmara de vigilância apresentadas pela defesa. Não, não tenho um irmão gémeo. Na verdade, admito lembrar-me de ter cometido o homicídio! Mas eu e o homicida não somos a mesma pessoa, uma vez que sofri mudanças. A banda de rock preferida dessa pessoa eram os Led Zeppelin; agora prefiro Todd Rundgren. Essa pessoa tinha apêndice, mas eu não; o meu foi removido na semana passada. Essa pessoa tinha de vinte e cinco anos de idade; eu tenho trinta. Eu e esse assassino de há cinco anos não somos a mesma pessoa. Portanto, não podem punir-me, pois ninguém é culpado de um crime cometido por outra pessoa.

Como é óbvio, nenhum tribunal aceitaria este argumento. No entanto, o que tem de errado? Quando alguém sofre mudanças, física ou psicologicamente, não é verdade que "não é a mesma pessoa"?

Sim, mas a expressão "a mesma pessoa" é ambígua. Há dois sentidos em que podemos afirmar que duas pessoas são a mesma. Quando alguém se converte a uma religião ou rapa o cabelo, torna-se dissemelhante do que era antes. Digamos que, qualitativamente, não é mais a mesma pessoa. Então, em certo sentido, não é "a mesma pessoa". Mas noutro sentido é a mesma pessoa: ninguém o substituiu. Chama-se "identidade numérica" a este segundo género de identidade, uma vez que é o mesmo género de identidade denotado pelo sinal de igualdade em expressões matemáticas como "2 + 2 = 4": as expressões "2 + 2" e "4" representam o mesmo número. Numericamente, o leitor é a mesma pessoa que era em bebé, apesar de qualitativamente ser muito diferente. As alegações finais do julgamento confundem os dois géneros de identidade. Na verdade, o leitor mudou desde que o crime foi cometido: qualitativamente, não é a mesma pessoa. Mas, numericamente, o leitor e o assassino são a mesma pessoa; ninguém mais assassinou a vítima. É verdade que "ninguém pode ser punido pelos crimes de outrem". Mas aqui "outrem" significa alguém que é numericamente distinto do leitor.

O conceito de identidade numérica é importante para os assuntos humanos. Afecta a questão de saber quem podemos punir, uma vez que é injusto punir alguém que seja numericamente distinto do malfeitor. Também desempenha um papel crucial em emoções como a antecipação, o arrependimento e o remorso. O leitor não pode sentir pelos erros dos outros o mesmo género de arrependimento ou de remorso que sente pelos seus próprios erros. Não pode antecipar os prazeres de que outra pessoa terá experiência, por mais que essa pessoa seja semelhante a si em termos qualitativos. A questão sobre o que faz que as pessoas sejam numericamente idênticas ao longo do tempo é conhecida dos filósofos como a questão da identidade pessoal.

Pode-se representar a questão da identidade pessoal através de um exemplo. Imagine o leitor que está muito curioso acerca de como será o futuro. Um dia encontra Deus, particularmente bem-humorada; ela promete ressuscitá-lo quinhentos anos após a sua morte, para que o leitor tenha experiência do futuro. A princípio fica compreensivelmente entusiasmado, mas depois começa a duvidar. Como irá Deus garantir que será o leitor a existir no futuro? Daqui a quinhentos anos terá morrido e o seu corpo ter-se-á decomposto. A matéria que o compõe agora ter-se-á então dispersado pela superfície da terra. Deus poderia facilmente criar, a partir de nova matéria, uma nova pessoa que se assemelhe a si, mas isso não o conforta. O leitor quer ser o próprio a existir no futuro; alguém que seja meramente parecido consigo não serve.

Este exemplo torna o problema da identidade pessoal particularmente vívido, mas repare que a mudança trivial ao longo do tempo levanta as mesmas questões. Olhando para fotografias da infância, você diz "este era eu". Mas porquê? O que faz que o leitor e aquele bebé sejam a mesma pessoa, apesar de todas as mudanças que sofreu ao longo dos anos?

(Os filósofos reflectem também na identidade ao longo do tempo de objectos que não são pessoas; reflectem no que faz que um electrão, árvore, bicicleta ou nação sejam a mesma coisa em momentos distintos. Estes objectos levantam muitas das mesmas questões que se coloca acerca das pessoas, além de algumas questões novas. Mas as pessoas são particularmente fascinantes. Por um lado, apenas a identidade pessoal se liga a emoções como o remorso e a antecipação. Por outro lado, nós somos pessoas. É natural que nos interessemos particularmente por nós próprios.)

Então, como poderia Deus fazer o leitor existir no futuro? Como vimos, não basta reconstituir, a partir de outra matéria, uma pessoa fisicamente similar. Seria mera semelhança qualitativa. Adiantaria usar a mesma matéria? Deus poderia recolher todos os protões, neutrões e electrões que agora constituem o seu corpo, mas que estarão então dispersos na superfície da Terra, e transformá-los numa pessoa. Por via das dúvidas, Deus poderia até fazer que esta nova pessoa fosse parecida consigo. Mas não seria você. Seria uma nova pessoa criada a partir da sua velha matéria. Se não concorda, então pense no seguinte: esqueça o futuro; tanto quanto sabe, a matéria de que agora é composto o seu corpo foi, em tempos, parte do corpo de outra pessoa, há milhares de anos. É altamente improvável mas contudo possível que a matéria de um antigo estadista grego se tenha reciclado através da biosfera, vindo a acabar em si. É claro que isso não o tornaria numericamente idêntico àquele estadista. O leitor não deveria ser punido pelos crimes do dito; não poderia arrepender-se do que o outro tivesse feito. A identidade da matéria não é condição suficiente para a identidade pessoal.

Tão-pouco é necessária. Pelo menos, a exacta identidade da matéria não é necessária para a identidade pessoal. As pessoas sobrevivem constantemente a mudanças graduais na sua matéria. Ingerem e excretam, cortam o cabelo e perdem porções de pele, e por vezes fazem implantes de pele ou de outra matéria nos seus corpos. Na verdade, o processo normal de ingestão e excreção reciclam quase toda a matéria de que o leitor é feito, periodicamente ao longo dos anos. No entanto, o leitor continua a ser o leitor. A identidade pessoal não está especialmente ligada à identidade da matéria. Então com o que está ela ligada?

A alma
Alguns filósofos e pensadores religiosos respondem: a alma. A alma de uma pessoa é a sua essência psicológica, uma entidade infísica onde há pensamentos e emoções. A alma sobrevive ilesa a todo o género de transformações físicas do corpo e pode mesmo sobreviver à sua destruição total. A alma do leitor é o que o faz que o leitor seja quem é. O bebé nas fotos é o leitor porque a alma que agora habita o seu corpo é a mesma que habitava então o corpo daquele bebé. Deus pode então ressuscitá-lo no futuro fazendo um novo corpo e inserindo nele a sua alma.

As almas parecem dar resposta rápida a muitas perplexidades filosóficas acerca da identidade ao longo do tempo, mas não há qualquer boa razão para pensar que existem. Os filósofos costumavam argumentar que se tem de postular as almas para explicar os pensamentos e os sentimentos, visto que os pensamentos e os sentimentos não parecem fazer parte do corpo físico. Mas a ciência contemporânea destrói este argumento. Há muito que os seres humanos sabem que a vida mental está especialmente ligada a uma parte do corpo — o cérebro. Mesmo antes da neurociência contemporânea, sabia-se que as lesões cefálicas causam danos psicológicos. Sabemos agora como certas partes do cérebro estão associadas a certos efeitos psicológicos. Embora estejamos longe de poder correlacionar inteiramente estados psicológicos com estados cerebrais, progredimos o suficiente para saber que a existência de uma tal correlação é uma hipótese razoável. É razoável inferir que a própria vida mental está no cérebro, e que não existe alma. Não é que a ciência neurológica refute a alma: as almas podiam existir ainda que os estados psicológicos e os estados mentais estejam perfeitamente correlacionados. Mas se o cérebro físico explica por si a vida mental, não há necessidade de postular também almas.

Além disso, os teorizadores da alma têm dificuldade em explicar como as almas conseguem pensar. Os teorizadores do cérebro têm os rudimentos de uma explicação: o cérebro contém biliões de neurónios, cujas interacções incrivelmente complexas produzem o pensamento. Ninguém sabe ao certo como isto funciona, mas pelo menos os neurocientistas fizeram um bom começo. O teorizador da alma nada tem para dizer que se compare, uma vez que na sua maioria os teorizadores da alma pensam que a alma não tem partes menores. As almas não são compostas de biliões de minúsculas partículas anímicas. (Se o fossem, deixariam de fornecer respostas rápidas para as perplexidades filosóficas acerca da identidade ao longo do tempo. Os teorizadores da alma enfrentariam as mesmas questões filosóficas difíceis que os restantes de nós. Por exemplo: o que faz que uma alma seja a mesma ao longo do tempo, apesar das mudanças nas suas partículas anímicas?) Mas se as almas não têm minúsculas partículas anímicas, não têm algo semelhante a neurónios para as ajudar a fazer o que fazem. Como é que, então, fazem o que o fazem?

A continuidade espácio-temporal e o caso do príncipe e do sapateiro
Pondo de parte as almas, voltemo-nos agora para as teorias científicas, que fazem assentar a identidade pessoal em fenómenos naturais. Uma dessas teorias usa o conceito de continuidade espácio-temporal. Considere a identidade ao longo do tempo de um objecto inanimado, como uma bola de basebol. Um lançador agarra a bola e prepara o lançamento; momentos depois, há uma bola na luva do apanhador. Serão ambas a mesma bola? Como sabemos? É mais fácil se tivermos mantido os olhos na bola. Uma série contínua - uma série de posições no espaço e no tempo contendo uma bola de basebol, a primeira na mão do lançador, as localizações ulteriores nos espaços e momentos intermédios, e a posição final na luva do apanhador — convence-nos de que a bola do lançador e a bola do apanhador são a mesma. Se não observarmos essa série contínua podemos suspeitar que as bolas são diferentes. Normalmente, não precisamos deste método para identificar uma pessoa ao longo do tempo, uma vez que, na sua maioria, as pessoas diferem muito umas das outras, mas pode ser útil se lidarmos com gémeos verdadeiros. Quer saber se é o Zé Manel ou o Manel Zé quem está na cela? Primeiro, reúna informação a partir dos vídeos de vigilância ou de informadores. Depois, usando esta informação, esboce uma série contínua regredindo no tempo a partir da pessoa que está na cela e veja a qual dos gémeos conduz.

Todos concordam que a continuidade espácio-temporal é um bom indício prático da identidade pessoal. Mas enquanto filósofos queremos mais. Queremos descobrir a essência da identidade pessoal; queremos saber o que é ter identidade pessoal e não apenas reconhecê-la quando está presente. Se o leitor quiser saber se um certo homem é solteiro, é um bom indício prático verificar se ele tem o apartamento desarrumado; se quer saber se um certo metal é ouro, a inspecção visual e a pesagem numa balança darão a resposta certa nove vezes em cada dez. Mas ter o apartamento desarrumado não é a essência de ser solteiro, pois alguns solteiros são arrumados. Ter um certo peso e uma certa aparência não é a essência do ouro, pois é possível um metal aparentar ser ouro (em todas as suas características superficiais) sem que por isso seja realmente ouro (pense na pirite). A verdadeira essência de ser solteiro é ser um indivíduo não casado do sexo masculino; a verdadeira essência de ser ouro é ter o número atómico 79. Pois não há circunstância possível em que algo seja solteiro sem ser um homem não casado, e não há circunstância possível em que algo seja ouro sem ter o número atómico 79. Tudo o que exigimos dos indícios práticos para reconhecer solteiros ou ouro é que funcionem na maioria das vezes, mas as considerações filosóficas sobre a essência têm de funcionar em todas as circunstâncias possíveis. A teoria da continuidade espácio-temporal afirma que a continuidade espácio-temporal é de facto a essência da identidade pessoal e não apenas que é um bom indício prático. A identidade pessoal é, simplesmente, a continuidade espácio-temporal.

Tem de se aperfeiçoar um pouco a teoria para que possa funcionar em todas as circunstâncias possíveis. Suponha o leitor que é capturado, metido numa panela e transformado em sopa. Embora possamos traçar uma série contínua entre o leitor e a sopa, a sopa não é o leitor. Depois de liquefeito, o leitor deixa de existir; a matéria que antes o compunha compõe agora outra coisa qualquer. Assim, temos de aperfeiçoar a teoria da continuidade espácio-temporal até se obter a seguinte formulação: as pessoas são numericamente idênticas se, e só se, são espácio-temporalmente contínuas ao longo de uma série de pessoas. O leitor está certamente ligado à sopa por uma série contínua, mas os últimos elementos da série são porções de sopa e não pessoas.

São possíveis melhoramentos posteriores (entre os quais afirmar que qualquer mudança de matéria numa série contínua tem de ocorrer gradualmente, ou que os elementos anteriores de uma tal série são a causa dos elementos posteriores). Mas passemos antes a um exemplo muito interessante introduzido pelo filósofo britânico do séc. XVII, John Locke. Um príncipe interroga-se como seria viver como um humilde sapateiro. Reciprocamente, há um sapateiro que sonha com uma vida de príncipe. Um dia têm a sua oportunidade: permutam-se todas as características mentais do príncipe e do sapateiro. O corpo do sapateiro fica com a memória, o conhecimento e os atributos pessoais do príncipe, cujas características mentais migraram por sua vez para o corpo do sapateiro. O próprio Locke falou em almas: as almas do príncipe e do sapateiro permutam-se. Mas modifiquemos a sua história: suponha-se que a troca ocorre porque os cérebros do príncipe e do sapateiro são alterados por um cientista malévolo, sem qualquer transferência de almas ou de matéria. Embora seja implausível, não é de todo em todo inconcebível. A ciência diz-nos que os estados mentais dependem da configuração dos neurónios no cérebro. Essa configuração poderia em princípio ser alterada de modo a ficar exactamente igual à configuração de outro cérebro.

Depois da permuta, a pessoa que está no corpo do sapateiro lembrar-se-á de ter sido um príncipe e do desejo de experimentar a vida como sapateiro. Dirá para consigo: "Finalmente, tenho a minha oportunidade!" Reconhece-se como príncipe e não como sapateiro. A pessoa que está no corpo do príncipe reconhece-se como sapateiro e não como príncipe. Terão razão?

A teoria da continuidade espácio-temporal afirma que não têm razão. Os itinerários espácio-temporais contínuos atêm-se a corpos; vão do príncipe original à pessoa que está no corpo do príncipe e do sapateiro original até à pessoa que está no corpo do sapateiro. Então, se a teoria da continuidade espácio-temporal está correcta, a pessoa que está no corpo do sapateiro é de facto o sapateiro e não o príncipe e a pessoa que está no corpo do príncipe é de facto o príncipe e não o sapateiro.

Locke adopta uma perspectiva diferente; concorda com o príncipe e com o sapateiro. Se tem razão, então a sua experiência mental refuta a teoria da continuidade espácio-temporal. Eis um argumento poderoso da parte de Locke: Suponhamos que o príncipe cometeu um crime horrível, sabia que ia acontecer a troca mental e esperava usá-la para fugir à acusação. Depois da troca, o crime é descoberto e os guardas vêm buscar o culpado. Nada sabem da troca, pelo que prendem a pessoa que está no corpo do príncipe, ignorando os seus protestos de inocência. A pessoa que está no corpo do sapateiro (que se vê como príncipe) lembra-se de ter cometido o crime e gaba-se de ter escapado por um triz. Trata-se de uma enorme injustiça! O fanfarrão que está no corpo do sapateiro devia ser punido. Se é assim, então a pessoa que está no corpo do sapateiro é o príncipe e não o sapateiro, pois só se deve punir uma pessoa pelo que ela própria fez.

A continuidade psicológica e o problema da duplicação
Locke usou o exemplo do príncipe e do sapateiro para mostrar que a identidade pessoal segue outro tipo de continuidade, a continuidade psicológica. Segundo a nova teoria proposta por Locke, a teoria da continuidade psicológica, uma pessoa no passado é numericamente idêntica à pessoa no futuro, se alguma houver, que tenha a memória da pessoa no passado, as suas características individuais, e por aí em diante — quer a pessoa no passado e a pessoa no futuro sejam ou não espácio-temporalmente contínuas entre si. A teoria de Locke afirma que o fanfarrão que está no corpo do sapateiro é de facto o príncipe e é portanto culpado pelos crimes do príncipe, uma vez que é psicologicamente contínuo com o príncipe. Como vimos, este parece ser o veredicto correcto. Mas Locke enfrenta desafio fascinante que se segue, apresentado pelo filósofo britânico do séc. XX, Bernard Williams.

O nosso cientista malévolo entra de novo em cena e faz Charles, uma pessoa dos nossos dias, adquirir as características mentais de Guy Fawkes, um homem enforcado em 1606 por tentar fazer explodir o parlamento inglês. Obviamente, seria difícil saber se Charles está a fingir, mas se tiver de facto as características mentais de Fawkes, então, diz Locke, Charles é Guy Fawkes. Até aqui tudo bem.

Mas agora o nosso cientista, perversamente, provoca esta transformação também em outra pessoa, Robert. Adquirir as características mentais de Fawkes consiste apenas numa alteração do cérebro; se pode acontecer a Charles, então pode acontecer também a Robert. A teoria de Locke está agora em dificuldades. Tanto Charles como Robert são psicologicamente contínuos com Fawkes. Se a identidade pessoal é a continuidade psicológica, então tanto Charles como Robert seriam idênticos a Fawkes. Mas tal não faz sentido, uma vez que implicaria que Charles e Robert são idênticos entre si! Pois se sabemos que

x = 4 e y = 4

Então concluímos que

x = y

Do mesmo modo, se sabemos que

Charles = Fawkes e Robert = Fawkes

Então concluímos que

Charles = Robert

Mas é absurdo afirmar que Charles = Robert. Apesar de serem agora qualitativamente similares (cada um tem a memória de Fawkes e as suas características individuais), numericamente são duas pessoas distintas. Este é o problema da duplicação na teoria de Locke: o que sucede quando a continuidade psicológica é duplicada? (ou triplicada, ou quadruplicada...)

Williams preferiu a continuidade espácio-temporal e não a psicológica devido ao problema da duplicação. Antes de o seguirmos, pensemos um pouco mais na continuidade espácio-temporal. Tal como uma árvore pode sobreviver à perda de um ramo, uma pessoa pode sobreviver à perda de algumas partes, ainda que significativas. Mesmo que lhe amputassem as pernas ou os braços o leitor continuaria a ser a mesma pessoa. No entanto, a perda de partes provoca alguma descontinuidade espácio-temporal, uma vez que a região do espaço-tempo ocupada pela pessoa muda abruptamente de forma. Assim, a "continuidade espácio-temporal" deve ser entendida como continuidade espácio-temporal suficiente, de modo a permitir mudanças nas partes enquanto a coisa ou a pessoa permanecem as mesmas.

Quanta continuidade é continuidade espácio-temporal "suficiente"? Imagine que tem um cancro incurável na metade direita do seu corpo mas que a esquerda se encontra saudável. Este cancro abrange o seu cérebro: o hemisfério direito está canceroso ao passo que o hemisfério esquerdo se encontra saudável. Felizmente, há uns cientistas futuristas que podem separar o seu corpo em dois. Podem dividir os hemisférios cerebrais e remover a parte cancerosa. Dão-lhe próteses do braço e perna direitos, uma metade artificial do seu coração, e por aí em diante. Contudo, o leitor não precisa de qualquer prótese do hemisfério cerebral direito, porque o hemisfério esquerdo, que ficou saudável, acabará por funcionar do mesmo modo que todo o seu cérebro costumava funcionar. (Apesar de ficcional, não é de todo em todo implausível: os hemisférios cerebrais humanos podem de facto funcionar independentemente quando desligados, e replicar algumas funções — embora não todas — um do outro.) Seguramente, a pessoa depois da operação é a mesma que era antes: esta operação é uma maneira de lhe salvar a vida! Mas o resultado da operação é uma descontinuidade espácio-temporal significativa, uma vez que a continuidade entre a pessoa do antes e a pessoa do depois fica reduzida a metade do corpo. Lição: mesmo a continuidade de apenas metade do corpo seria suficiente para manter a identidade pessoal.

Mas agora a teoria da continuidade espácio-temporal enfrenta o seu próprio problema da duplicação. Alteremos a história do parágrafo anterior de tal modo que o cancro esteja apenas no cérebro, mas em ambos os hemisférios. A única cura é a radioterapia, mas a probabilidade de sucesso é apenas de 10%. É uma probabilidade baixa. Felizmente, pode ser aumentada. Antes da radioterapia, os médicos dividem o seu corpo - incluindo os hemisférios - em dois. Como antes, cada metade é completada artificialmente; inicia-se então a radioterapia aos hemisférios cancerosos. Isto dá-lhe duas hipóteses com 10% de probabilidade de sucesso, em vez de uma. Mas agora vem a reviravolta na narrativa: suponha o resultado improvável de que o tratamento cura ambas as metades. Assim, o resultado da operação são duas pessoas, cada uma das quais tem um dos seus hemisférios originais. Repare que cada uma mantém continuidade espácio-temporal "suficiente" com o leitor, uma vez que concordámos que metade de uma pessoa é o suficiente para haver continuidade. A teoria da continuidade espácio-temporal implica então que o leitor seja idêntico a cada uma destas duas novas pessoas, e temos uma vez mais a consequência absurda de que estas duas pessoas são idênticas entre si.

Cada uma das nossas teorias, a teoria da continuidade psicológica de Locke e a teoria da continuidade espácio-temporal, enfrenta o problema da duplicação. Pode haver continuidade, psicológica ou espácio-temporal, entre uma só pessoa original e duas sucessoras. Cada teoria afirma que a identidade pessoal é um tipo de continuidade. Assim, a pessoa original é idêntica a cada sucessora, o que implica o absurdo de as sucessoras serem idênticas entre si. Como resolver este problema?

Alguns sentir-se-ão tentados a abandonar as teorias científicas voltando-se para a alma. A continuidade, psicológica ou espácio-temporal, não determina o que acontece a uma alma. Quando se duplica um corpo, a alma do corpo original pode ser herdada por um ou outro dos corpos sucessores, talvez por nenhum, mas não por ambos. Embora seja uma solução arrumada, os indícios disponíveis não a sustentam: continuamos a não haver razão para aceitar a existência de almas. Seria melhor reformular de alguma maneira as teorias científicas tendo em conta o problema da duplicação. (Se formos bem-sucedidos, temos ainda de decidir entre a continuidade espácio-temporal, a continuidade psicológica, ou uma combinação das duas. Mas deixemos isso de lado por agora.)

Na sua formulação original, as teorias científicas afirmavam que a identidade pessoal é continuidade. Podíamos reformulá-las, para que afirmem, ao invés, que a identidade pessoal é continuidade imbifurcante. Normalmente a continuidade não tem bifurcações: normalmente, só há continuidade, em cada momento, entre uma pessoa e outra pessoa anterior. Nesses casos há identidade pessoal. Mas os exemplos de duplicação implicam bifurcação, ou seja, num dado momento, há continuidade entre duas pessoas e uma pessoa anterior. Assim, segundo a teoria reformulada, não há identidade pessoal nesses casos. Não há identidade entre Charles e Guy Fawkes nem entre Robert e Guy Fawkes. O leitor não sobrevive ao transplante duplo.

Ao contrário da afirmação de que as pessoas sucessoras são idênticas entre si, esta não é absurda. Mas é bastante difícil de aceitar. Imagine o leitor que recebe uma boa notícia antes da operação: a pessoa que tem o seu hemisfério esquerdo irá sobreviver à operação de divisão. Excelente. Mas agora, se a teoria modificada da continuidade espácio-temporal está correcta, e se além disso a pessoa que tem o hemisfério direito sobrevive, o leitor não sobreviverá. Pelo que é pior para si se a pessoa que tem o hemisfério direito sobreviver. Tem de fazer figas para que a pessoa que tem o hemisfério direito morra. Que estranho! A notícia de que a pessoa que tem o hemisfério esquerdo sobreviveria era boa; a notícia de que a pessoa com o hemisfério direito também sobreviveria parece ser mais uma boa notícia. Como poderia mais uma boa notícia tornar as coisas muito piores?

Soluções radicais para o problema da duplicação
A duplicação é um problema realmente difícil! Talvez seja altura de investigar algumas soluções radicais. Eis duas.

Derek Parfit, o filósofo britânico contemporâneo, põe em causa um pressuposto fundamental que temos mantido acerca da identidade pessoal, o pressuposto de que a identidade pessoal é importante. No início deste capítulo, concordámos que a identidade pessoal está ligada à antecipação, ao arrependimento e ao castigo. Isto é uma parte da importância da identidade pessoal. O último parágrafo da secção anterior pressupôs outra parte: que é muito mau para o leitor se no futuro não houver continuidade entre outra pessoa e o leitor. Isto é, deixar de existir é muito mau. Parfit põe em causa este pressuposto de que a identidade é importante. O que é realmente importante, defende Parfit, é a continuidade psicológica. Na maior parte dos casos triviais, a continuidade psicológica e a identidade pessoal andam par. Isso é porque, segundo Parfit, a identidade pessoal é continuidade imbifurcante, e a continuidade raramente bifurca. Mas no caso da duplicação ramifica. Nesse caso o leitor deixa de existir. Mas no exemplo da duplicação, diz Parfit, deixar de existir não é mau. Pois ainda que o próprio leitor deixe de existir, preservará tudo aquilo que importa: terá continuidade psicológica (em dose dupla, na verdade!).

As perspectivas de Parfit são interessantes e provocadoras. Mas podemos realmente aceitar que por vezes deixar completamente de existir é insignificante? Isso implicaria uma revisão radical das nossas crenças habituais. Haverá mais opções?

Podíamos, ao invés, reconsiderar um dos nossos outros pressupostos acerca da identidade pessoal. O argumento da duplicação pressupõe que se há identidade pessoal entre a pessoa original e cada uma das sucessoras, temos a conclusão absurda de que as sucessoras são idênticas entre si. Mas este resultado absurdo só se segue se a identidade pessoal for identidade numérica, a mesma noção que o sinal de igualdade (=) exprime em matemática. Fizemos esta pressuposição logo à partida, mas talvez seja um erro. Talvez a "identidade pessoal" nunca seja realmente identidade numérica. Talvez o resultado de toda a mudança seja mesmo uma pessoa numericamente distinta. Se é assim, então não seria preciso afirmar que a bifurcação destrói a identidade pessoal. Porquanto podíamos regressar à ideia de que a "identidade" pessoal é continuidade (psicológica ou espácio-temporal — falta decidir isso.) Nos casos em que há bifurcação, pode haver relação de "identidade pessoal" entre única pessoa e duas pessoas distintas; isto não é absurdo se a identidade pessoal não for identidade numérica. Teríamos ainda de distinguir entre a mera semelhança qualitativa ("ele não é a mesma pessoa que era antes de ir para a faculdade") e uma noção mais estrita de "identidade" pessoal que se associe ao castigo, à antecipação e ao arrependimento. Mas mesmo esta noção mais estrita seria mais frouxa do que a identidade numérica.

Poderemos realmente acreditar que as nossas fotografias de infância são de pessoas numericamente distintas de nós? Também isso exigiria uma revisão radical de crenças. Mas às vezes é precisamente isso o que a filosofia pede.

Theodore Sider

Universidade de Rutgers
Tradução de Vítor Guerreiro

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

You go in shadows

Fade in to you

I want to hold the hand inside you
I want to take a breath that's true
I look to you and I see nothing
I look to you to see the truth
You live your life
You go in shadows
You'll come apart and you'll go black
Some kind of night into your darkness
Colors your eyes with what's not there.

Fade into you
Strange you never knew
Fade into you
I think it's strange you never knew

A stranger's light comes on slowly
A stranger's heart without a home
You put your hands into your head
And then it's smiles cover your heart

Fade into you
Strange you never knew
Fade into you

I think it's strange you never knew
I think it's strange you never knew


Mazzy Star

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

Estrela do Mar

Tinha feito a viagem na sua luminosidade preferida, acompanhada pela banda sonora perfeita e com a imagem do pôr-do-sol ao fundo, por cima do mar revolto, a quem recorria quando se sentia especialmente frágil. A visão do mar, poderoso e estrondoso, conferia-lhe a força e a segurança que sempre precisava, mas que nunca denunciava. A música das palavras que lhe tocavam a alma e a luz discreta e profunda que lhe afectava o olhar, alimentavam a vontade de chegar ao outro lado da sua vida. O lado só recentemente acordado, mas sempre sonhado; o lado comandado pelo Mar. A força que a conduz ao outro lado de si é como o mar; com som, cheiro, sabor, toque e um movimento que a invade e a embala, que a embriaga e a ultrapassa, que a vence e assusta terrivelmente. Admirável, perigoso e distante; invasivo e arrebatador, é o medo que lhe alimenta a viagem, que a conduz ao outro lado de si, que é eu, mas também é outro.

Chegou mesmo antes de anoitecer. Ainda teve tempo de abrir as portadas da janela e deixar entrar um resto de luz e aragem diurna, antes de acender as velas e os incensos que a faziam sentir-se em casa. Pôs uma roupa confortável e encheu a casa vazia com a sua música. Sentou-se no sofá da sua infância (tão confortável apesar dos anos) e abriu o livro que esperava acalmar-lhe a doce ansiedade. E nesse momento a consciência da sua infelicidade caiu sobre os seus ombros como um pedregulho, o pedregulho de Sísifo… Tomou consciência do absurdo da sua existência, da sua profunda solidão, da inefável necessidade de partilhar e da impossibilidade perpétua de o fazer. A sua dupla vida, a sua dupla identidade, os seus desejos contraditórios, os seus pensamentos e as suas acções, os seus valores, objectivos… onde estão? Quais são? Ainda não fez nada do que ambicionava fazer, mantinha a sua vida e a sua energia à vontade dos outros ou do outro que a absorvia desde a mais tenra adolescência, a quem se limitava a alimentar o narcisismo patológico, que se tornou na sua própria patologia, já que era seu o sofrimento. O que é que queria? Queria ser feliz e para isso tinha que ser livre; livre nas acções e não apenas no pensamento. E não podia estar mais longe disso.

A paixão que a trouxe à casa da sua infância onde esperava encontrar-se com o seu outro lado, o lado do Mar, tinha-a distraído da prisão em que vivia há mais de 15 anos, da dependência em que se tornara a promessa de felicidade e da doença, que também já era sua, que a impedia de assumir os seus desejos, a sua existência e a sua essência anulada pelo egoísmo e pelo menosprezo de quem tinha prometido ser o pai dos seus filhos, dos filhos que nunca chegaram a existir … E chorou as lágrimas escondidas e esquecidas todos estes anos, soluçou a sua fragilidade e cobardia. Lembrou com todo o pormenor todas as vezes que foi desrespeitada e desprezada, que deixou de ser quem quer ser que não foi tratada como merecia… chorou, chorou, chorou… Pensou porque havia de contentar-se apenas com algumas horas de felicidade, depois de fugir e desculpar-se com a ansiedade de ser “apanhada”; porque não haveria de respeitar o que sentia, a força que a atraia?

domingo, 25 de abril de 2010

Ary e a liberdade das palavras

Fado

"É uma simples melodia, das que se aprendem a viver..."

Viva a Liberdade!!

Uma lágrima por Catarina e muitos vivas à Revolução das flores que acabou com injustiças protegidas por um regime vampiro e caduco. 25 de Abril sempre!!!

terça-feira, 30 de março de 2010

Where is my mind?

Excelente versão, piano encantador, imagens deliciosamente romantico-trágicas, mas com um final feliz.

terça-feira, 23 de março de 2010

Os nascidos a dia 5

Uma amiga que também nasceu num dia 5, mandou-me um link que mostra a influência do dia do nascimento na nossa personalidade. Também me consigo ver aí.

"O nascido neste dia é normalmente divertido, alegre, ousado, dotado de poderes psíquicos, imaginação fértil, versatilidade e também amante da liberdade.
Em virtude de ter os ouvidos muito sensíveis (não gosta de receber ordens), vive constantemente em busca de dinheiro, por vezes de maneiras totalmente inusitadas, sem qualquer medo de correr riscos.
Gosta de estudar e de saber, para poder conseguir atingir seus objetivos com mais facilidade. Viajar por diversão, estudo ou satisfação do ego, também fazem parte da sua personalidade.
É obstinado em seus propósitos (impaciente e impulsivo) e não descansa enquanto não consegue atingir seus objetivos, mesmo que tenha de usar de artifícios pouco convencionais ou prejudicar alguém. Gosta de estar em contato com o público, de preferência sendo o centro das atenções, e no trabalho sente-se melhor em ocupações que o coloquem em contato com pessoas, mas que estas lhe permitam agir e exprimir-se livremente.
As frustrações, principalmente no âmbito profissional, que atrapalham seus planos, causam-lhe insônias, distúrbios psicológicos, falta de controle emocional que podem se transformar em violência.
Quando quer ou é incentivado, consegue resultados fantásticos no terreno profissional, pois tem grande capacidade de discernimento, amplos conhecimentos e satisfação naquilo que faz. Porém, o seu lado obscuro, o lado 'libertino', leva-o a ter muitos começos e poucos fins. Quase nunca é bem sucedido no amor (existe, é claro, as excepções), levando-o a trocar várias vezes de parceiros ao longo da sua duradoura vida."

sexta-feira, 19 de março de 2010

Apontamentos

Descobri um "papelinho" com um apontamento(?) escrito a lápis, na caixa das memórias. Não me lembro de o ter escrito, nem se fui eu que o escrevi ou se apenas transcrevi, por me ter visto no que estava escrito. Como não sei onde guardar, por não ter data e ser tão pequenino, registo aqui o seu conteúdo, que é sobre mim, como tudo o resto:

"Se a razão comanda sou um, mas se o coração a abafa sou outro; não gostaria de ser nenhum deles, mas um terceiro, em que o sentimento e a lógica acamaradassem de maneira que eu permanecesse sempre igual a mim mesmo."

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Haverá mesmo um sentido?

Acreditar que nada acontece por acaso, que em tudo há uma intencionalidade, um sentido, um significado, um objectivo... é cansativo e angustiante. às vezes, até parece delirante, como uma teoria da conspiração, mas sem a mania da perseguição; uma teoria da intenção, uma mania da interpretação. E sinto-me como quando lia os autores mais complicados da filosofia, à procura de uma interpretação que faça sentido para mim, mas que vá ao encontro da intenção do autor, mas qual é a intenção? e quem é o autor do sentido? Haverá mesmo um sentido?

Eu perco o chão, quando não acho as palavras

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Não quero ser uma formiga

VELHA FÁBULA EM BOSSA NOVA

Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.

Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.

Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.

Assim devera eu ser
se não fora
não querer.
Alexandre O'neill

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Conclusão da estória:

Eros e Psique

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."

Fernando Pessoa

Silêncio

O SILÊNCIO


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.




Eugénio de Andrade

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Livro do Desassossego

O Livro do Desassossego dasassossega-me. Talvez por me revelar intuições (ou certezas) que são minhas mas que nem sempre conheço. Disseram-me para o ler de uma ponta à outra, mas gosto de o abrir e ver o que me dedica, o que me responde. Desta vez foi isto:

316. "Um quietismo estético da vida, pelo qual consigamos que os insultos e as humilhações, que a vida e os viventes nos infligem, não cheguem a mais que uma periferia desprezível da sensibilidade, ao recinto externo da alma consciente.

Todos temos por onde ser desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer."

RIP Lhasa

Não tenho palavras para expressar a pena que tenho, nem o tanto que sinto...

Fausto e a poesia

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Este Inverno mata-me

Todos os anos tenho a mesma sensação; de que não vou conseguir sobreviver a tanto frio, chuva, céu nublado, dias cinzentos, peganhentos e arrastados... Cada vez é mais difícil suportar estes meses, agora com a angústia do estado de saude das crianças, que piora cada vez que aumenta o frio.

Hoje disseram-me que há pessoas alérgicas ao frio, e lá descobri mais uma patologia minha: sou alérgica ao frio. A falta de energia e de alegria, as mãos geladas, quase mortas, os lábios ressentidos e a pele ressequida, os ossos que me doem até à alma... são sintomas-testemunhas deste mal-estar que só o Sol, o Mar e o Vento quente podem afogar!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

domingo, 3 de janeiro de 2010

"Traduzir-se" ou traduzir-me

Como sabem os amigos, é uma obsessão conhecer-me, analisar-me, explicar-me, compreender-me... que, como todas as obecessões, tem muitas vezes o efeito perverso de me fazer perder ainda mais no labirinto da consciência (ou da falta dela). Ainda assim, acho que tenho feito progressos, graças (ou não) à ajuda especializada.

Descobri este poema e este poeta, com Adriana Calcanhoto que também musicou o poema de Mário de Sá-Carneiro "O outro". O poeta é Ferreira Gullar e o poema chama-se

TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

sábado, 2 de janeiro de 2010

Cupido

Pode ter sido escrita para um amante-amado, também a compreendo assim. Mas foi o que senti a primeira vez que olhei e abracei a minha Bia e agora também sinto quando abraço o meu Simão.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010